terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

                                                     Muito obrigada, Alcides!

            Em 2007, eu estava no primeiro ano do ensino médio. Como menina pobre, pensava que iria ter um destino como todos os outros adolescentes da minha condição: não iria conseguir passar no vestibular e logo teria que arranjar um emprego para me sustentar. Mas, em um certo domingo, vi uma reportagem que mudaria o meu modo de pensar para sempre e que até hoje me dá forças. Tratava-se de um menino, filho de mãe catadora, que depois de muitos esforços, passara em 1º lugar no vestibular de Biomedicina da UFPE. Meu Deus, lembro como se fosse hoje: “Eu também posso! ”.
           Três anos depois, era a minha vez de prestar vestibular, e conseguia passar em Direito na UFC. Um dia, por acaso pensei: “olha, gostaria de agradecer aquele menino da reportagem”. Em um domingo, assisti, também no fantástico, a notícia de que Alcides fora morto, por engano, por bandidos, com tiros na cabeça. Que grande dor!
           A vida do Alcides, entretanto, não acabou ali. Continuou nos inúmeros meninos e meninas que seguiram seu exemplo de fé, coragem e determinação. Alcides nos deu a força mais poderosa que qualquer privilégio material, que qualquer dinheiro: a capacidade de sonhar.
            Obrigada, meu amigo, Alcides!

É de Pernambuco é do amor, do estudo e da decisão.
Do povo pobre trabalhador, tão valoroso nosso irmão.
Primeiro lugar merecimento, no estudo um guerreiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Luz da sua Mãezinha, faz a comunidade se orgulhar.
Sua Mãe a sua Rainha, lhe deu forças para estudar.
No seu estudar discernimento, é dedicado e maneiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Filho de vendedora ambulante, povo pra ser louvado.
Familiares cativantes, 2007 no Fantástico mostrado.
O melhor prometimento, o povo a ser mais altaneiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Aluno muito especial, um jovem demais esforçado.
Estudar o seu grande ideal, ao estudo tão dedicado.
A vida em oferecimento, no aprendizado sobranceiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Estudante de biomedicina, Elevando nossa cidadania.
Área Médica a sua sina, Grande Mestre já se anuncia.
Jovem exemplar todo tempo, dedicado e verdadeiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Na Universidade Federal, Pernambuco em elevação.
No seu maravilhoso ideal, o de cuidar da população.
Companheiro todo tempo, era um amigo altaneiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Jovem por Deus Abençoado, a alma pura tão bacana.
O primeiro colocado, da rede pública Pernambucana.
Jovem de belo sentimento, o Camarada companheiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Bairro da Torre a moradia, Recife cidade imensidão.
Ali esta a crescer cidadania, e também a eliminação.
A quem deu alegria e alento, deram triste paradeiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Matar o filho da catadora, foi na criação indignidade.
Puseram a sina sofredora, para o pobre da sociedade.
Um tão triste momento, um tão desgraçado nevoeiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.

Crime contra a Humanidade, Uma desgraça Nacional.
Mancharam a nacionalidade, e representam o infernal.
Malditos elementos, nele feriram um povo inteiro.
Alcides do Nascimento, um Gênio Negro Brasileiro.


Um poema de Azuir Filho e Turmas: Do Social da Unicamp e, de Amigos, de: Rocha Miranda, Rio, RJ e, de Mosqueiro, Belém, PA.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Uma música: Ne me quitte pas, de Jacques Brel

                  "Eu criarei um país onde o amor será rei, o amor será lei e tu será a rainha"

                              A primeira vez que ouvi essa música foi na aula de francês. A minha primeira impressão foi uma mescla entre a admiração e a repulsa. Admiração porque a interpretação de Jacques Brel tem uma força extraordinária; repulsa porque o tom melódico me levava a crer que se tratava de um “Pablo” francês (sic).
            Depois a ouvi nas vozes de Maysa, Edith Piaf, Frank Sinatra e, então, fiz-me a pergunta mais óbvia: o que há nessa música para torná-la um clássico? Certamente não saberei explicar suas especificidades musicais, apenas um pouco de sua história e de seu conteúdo.
            A força da interpretação de Brel tem um motivo: a música cantada é a história de sua vida. Conta-se que foi no Au Rêve, um bar nas redondezas de Paris, que Jacques Brel teria composto essa canção, fruto de seu relacionamento extraconjugal com Suzanne Gabriello, a “Zizou”. As histórias sobre o rompimento da relação são várias, porém a mais provável tenha sido a de que Jacques Brel teria abandonado “Zizou”, após saber que esta estava grávida. Zizou, conta-se, teria abortado e sofrido de depressão. Jacques Brel, por isso, acrescenta que essa não é uma canção de amor.
Um hino sobre a cobardia dos homens. É sobre o quão longe um homem está disposto a ir para se humilhar a si mesmo. Eu sei, obviamente, que esta música parece agradar a várias mulheres que deduzem, sem hesitação, que esta é uma canção de amor. É reconfortante para elas; eu compreendo isso…
            É aí que aparece, a meu ver, onde está a maestria de Jacques Brel. Divulgada em 1959, em um contexto de quebra de tradições, a canção põe à mostra as inquietações de um sujeito diante de si, de suas escolhas e de seus fracassos. O sucesso da canção advém de seu contexto, de tantas pessoas compartilharem o mesmo sentimento de amor e de frustração.
            Eis a letra:
Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le coeur du bonheur
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserais la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras ma reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embraser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
On a vu souvent
Rejaillir le feu
D'un ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler
Je me cacherai là
A te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas.







sábado, 30 de janeiro de 2016

Minha primeira Simulação das Nações Unidas (SONU): a Corte Distrital de Jerusalém























No segundo semestre de 2015, quando ingressei no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, conheci um curso de extensão da FD chamado SONU, Simulação das Nações Unidas, que é uma iniciativa dos próprios alunos com o objetivo de simular temas referentes ao Direito Internacional, ligado aos projetos da Organização das Nações Unidos (ONU). Eu nunca tinha ouvido falar e, apesar de ter gostado da apresentação do pessoal que foi à minha sala fazer uma mini simulação, o que mais me chamou a atenção foi um comitê que seria realizado naquele ano: a Corte Distrital de Jerusalém e o julgamento de Adolf Eichmann.
Nada parecia à toa. Como se as coisas que nos tocasse, sempre tivessem um sentido, um significado. Aquela imagem de novo e de novo: um homem, com a boca torta, sentado no banco dos réus, e o seu olhar angustiante. Depois que eu o vi, pela primeira vez, essa imagem me acompanha sempre.
A primeira vez foi quando tomei contato com o filme da Hannah Arendt. Não me lembro o porquê eu quisera tanto assistir esse filme, mas eu tinha uma vontade enorme de saber do que se tratava, embora não estivesse em cartaz e nem disponível na internet. Lembro-me, porém, com nitidez, que certo dia, estava na internet e surgiu-me a ideia: vou procurar o filme da Hannah Arendt, talvez já tenha o tenham disponibilizado. Quando então me surpreendo com o que vi: uma sessão do filme na minha cidade! “Quando? Hoje! Que horas?! À noite! Onde? Perto do centro da cidade... Nossa, somente hoje! ”. Não pensei, simplesmente fui ao cinema que tinha preço único: cinco reais.
Assisti àquele filme com tanta paixão, que me esqueci que era já era bem tarde da noite, e que estava sozinha em um lugar esquisito. Mas assisti e até chorei. Não pelo fim que se deu a vida do personagem, mas porque algo novo dentro de mim surgira.
Depois disso, não parava de pensar. E era como se, o mundo dos meus pensamentos, antes tão preocupados com coisas fúteis, abarcasse agora tudo, e começara a caminhar pelas ruas, falando sozinha: “Por que? Como fora possível o mal? O que é o ser no mundo? ” Essas questões tomaram forma quando li o livro de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
Hannah Arendt propõe que a atitude de um nazista como Eichmann (responsável pelo transporte dos judeus, porém que nunca houvera matado ninguém), não era motivado por um ódio antissemita, mas simplesmente porque ele não pensava. Tinha abdicado de sua capacidade de pensar. Preferia apenas obedecer. Mais: não pensava e não julgava. Depois disso, essa questão pareceu-me essencial: o que é julgar?
Pedi à minha professora Josianne que me ajudasse a entender essa questão. Ela se mostrou tão apaixonada quanto eu, mas essa era uma questão eminentemente filosófica e não histórica. A questão ficava, assim, suspensa.
Quando vi a imagem de Eichmann no vídeo da SONU, todas essas coisas vieram-me com toda a intensidade que tinham sido guardadas. Quis, em um primeiro momento, inscrever-me como advogada de defesa, para que eu pudesse entender esse indivíduo de modo mais profundo, mas, não sei o porquê, recebi um email dizendo que eu seria juíza da Corte, junto com mais quatro juízes. Estaríamos representando o Estado de Israel, estaríamos em Israel, em 1961, para julgar o tão procurado tenente-coronel Adolf Eichmann, na tentativa de julgar imparcialmente este homem, que embora tenha se figurasse na fala do promotor como um monstro, representava mais e também para nós, os juízes judeus, como a personificação da dor infinita sofrida pelo povo judeu.
Seria um julgamento honesto ou uma vingança? Absolvição ou a pena de morte? Qual o papel dos direitos humanos? Eram as perguntas que eu sempre me fazia durante os quatro dias de simulação. Mas voltava-me, com o mesmo questionamento: o que é julgar?
Segundo o parecer dos juízes e segundo as leis de Israel, a sentença, pareceu-me impecável: a pena de morte. No entanto, o Eichmann volta e meia retorna. Retorna como um duplo símbolo: para Israel, como um mal radical a ser lembrado sempre, para que o povo judeu nunca esquecesse dos momentos de horror do nazismo e, para Hannah Arendt, como um mal banal (esse a meu ver, mais incômodo e perigoso) que como erva daninha se espalha pelos campos devido à ausência de reflexão, à negação de colocar-se no lugar do outro, à perca da tradição, à falta de um julgamento.
“Eu só fiz o que me mandaram”. Não pode ser essa a frase da minha vida, não podem me roubar a minha liberdade de atuar, de escolher, de me desculpar, de tentar de novo. Isso porque o julgamento, para mim, não é somente algo que você ganha com a experiência (ou como uma menção honrosa), mas é primeiro algo que se dá no íntimo, no interior.
Além disso, foi um momento de encontrar pessoas muito boas e generosas que me acolheram com amor e dedicação!

Enfim, foi uma das muitas gratas providências da vida que você só pode agradecer devolvendo a ela, por meio de uma atitude nova de amor mundi! Não viver uma vida “de burocrata”, mas uma viver com radicalidade, afinal, Arendt dizia que havia se equivocado em um ponto muito importante: o mal não seria radical, mas banal; só o bem seria radical, porque cria raízes profundas, porque transforma.

 
Para começar, um poema, de Álvaro de Campos.

Poema em linha reta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.