sábado, 30 de janeiro de 2016

Minha primeira Simulação das Nações Unidas (SONU): a Corte Distrital de Jerusalém























No segundo semestre de 2015, quando ingressei no curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, conheci um curso de extensão da FD chamado SONU, Simulação das Nações Unidas, que é uma iniciativa dos próprios alunos com o objetivo de simular temas referentes ao Direito Internacional, ligado aos projetos da Organização das Nações Unidos (ONU). Eu nunca tinha ouvido falar e, apesar de ter gostado da apresentação do pessoal que foi à minha sala fazer uma mini simulação, o que mais me chamou a atenção foi um comitê que seria realizado naquele ano: a Corte Distrital de Jerusalém e o julgamento de Adolf Eichmann.
Nada parecia à toa. Como se as coisas que nos tocasse, sempre tivessem um sentido, um significado. Aquela imagem de novo e de novo: um homem, com a boca torta, sentado no banco dos réus, e o seu olhar angustiante. Depois que eu o vi, pela primeira vez, essa imagem me acompanha sempre.
A primeira vez foi quando tomei contato com o filme da Hannah Arendt. Não me lembro o porquê eu quisera tanto assistir esse filme, mas eu tinha uma vontade enorme de saber do que se tratava, embora não estivesse em cartaz e nem disponível na internet. Lembro-me, porém, com nitidez, que certo dia, estava na internet e surgiu-me a ideia: vou procurar o filme da Hannah Arendt, talvez já tenha o tenham disponibilizado. Quando então me surpreendo com o que vi: uma sessão do filme na minha cidade! “Quando? Hoje! Que horas?! À noite! Onde? Perto do centro da cidade... Nossa, somente hoje! ”. Não pensei, simplesmente fui ao cinema que tinha preço único: cinco reais.
Assisti àquele filme com tanta paixão, que me esqueci que era já era bem tarde da noite, e que estava sozinha em um lugar esquisito. Mas assisti e até chorei. Não pelo fim que se deu a vida do personagem, mas porque algo novo dentro de mim surgira.
Depois disso, não parava de pensar. E era como se, o mundo dos meus pensamentos, antes tão preocupados com coisas fúteis, abarcasse agora tudo, e começara a caminhar pelas ruas, falando sozinha: “Por que? Como fora possível o mal? O que é o ser no mundo? ” Essas questões tomaram forma quando li o livro de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal.
Hannah Arendt propõe que a atitude de um nazista como Eichmann (responsável pelo transporte dos judeus, porém que nunca houvera matado ninguém), não era motivado por um ódio antissemita, mas simplesmente porque ele não pensava. Tinha abdicado de sua capacidade de pensar. Preferia apenas obedecer. Mais: não pensava e não julgava. Depois disso, essa questão pareceu-me essencial: o que é julgar?
Pedi à minha professora Josianne que me ajudasse a entender essa questão. Ela se mostrou tão apaixonada quanto eu, mas essa era uma questão eminentemente filosófica e não histórica. A questão ficava, assim, suspensa.
Quando vi a imagem de Eichmann no vídeo da SONU, todas essas coisas vieram-me com toda a intensidade que tinham sido guardadas. Quis, em um primeiro momento, inscrever-me como advogada de defesa, para que eu pudesse entender esse indivíduo de modo mais profundo, mas, não sei o porquê, recebi um email dizendo que eu seria juíza da Corte, junto com mais quatro juízes. Estaríamos representando o Estado de Israel, estaríamos em Israel, em 1961, para julgar o tão procurado tenente-coronel Adolf Eichmann, na tentativa de julgar imparcialmente este homem, que embora tenha se figurasse na fala do promotor como um monstro, representava mais e também para nós, os juízes judeus, como a personificação da dor infinita sofrida pelo povo judeu.
Seria um julgamento honesto ou uma vingança? Absolvição ou a pena de morte? Qual o papel dos direitos humanos? Eram as perguntas que eu sempre me fazia durante os quatro dias de simulação. Mas voltava-me, com o mesmo questionamento: o que é julgar?
Segundo o parecer dos juízes e segundo as leis de Israel, a sentença, pareceu-me impecável: a pena de morte. No entanto, o Eichmann volta e meia retorna. Retorna como um duplo símbolo: para Israel, como um mal radical a ser lembrado sempre, para que o povo judeu nunca esquecesse dos momentos de horror do nazismo e, para Hannah Arendt, como um mal banal (esse a meu ver, mais incômodo e perigoso) que como erva daninha se espalha pelos campos devido à ausência de reflexão, à negação de colocar-se no lugar do outro, à perca da tradição, à falta de um julgamento.
“Eu só fiz o que me mandaram”. Não pode ser essa a frase da minha vida, não podem me roubar a minha liberdade de atuar, de escolher, de me desculpar, de tentar de novo. Isso porque o julgamento, para mim, não é somente algo que você ganha com a experiência (ou como uma menção honrosa), mas é primeiro algo que se dá no íntimo, no interior.
Além disso, foi um momento de encontrar pessoas muito boas e generosas que me acolheram com amor e dedicação!

Enfim, foi uma das muitas gratas providências da vida que você só pode agradecer devolvendo a ela, por meio de uma atitude nova de amor mundi! Não viver uma vida “de burocrata”, mas uma viver com radicalidade, afinal, Arendt dizia que havia se equivocado em um ponto muito importante: o mal não seria radical, mas banal; só o bem seria radical, porque cria raízes profundas, porque transforma.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário